Paulo Freire. Educação como
prática da liberdade. (cap. 4, p. 107. 16ª ed.)
E
que é o diálogo? É uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz
crítica e gera criticidade (Jaspers). Nutre-se do amor, da humildade, da
esperança, da fé, da confiança. Por isso, só o diálogo comunica. E quando os
dois polos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no
outro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então, uma relação de
simpatia entre ambos. Só aí há comunicação.
Paulo Freire. Pedagogia do
oprimido (cap. 3, p. 89-91. 42ª Ed.)
Quando tentamos um adentramento no diálogo, como
fenômeno humano, se nos revela algo que já poderemos dizer ser ele mesmo: a palavra.
Mas, ao encontrarmos a palavra, na análise do diálogo, como algo mais que
um meio para que ele se faça, se nos impõe buscar, também, seus elementos
constitutivos.
Esta busca nos leva a surpreender, nela, duas
dimensões; ação e reflexão, de tal forma solidárias, em uma interação tão
radical que, sacrificada, ainda que em parte, uma delas, se ressente,
imediatamente, a outra. Não há palavra verdadeira que não seja práxis. Daí, que dizer a palavra verdadeira seja
transformar o mundo.
A palavra inautêntica, por outro lado, com que
não se pode transformar a realidade, resulta da dicotomia que se estabelece
entre seus elementos constituintes. Assim é que, esgotada a palavra de sua
dimensão de ação, sacrificada, automaticamente, a reflexão também, se
transforma em palavreria, verbalismo, blablablá. Por tudo isto, alienada e
alienante. É uma palavra oca, da qual não se pode esperar a denúncia do mundo,
pois que não há denúncia verdadeira sem compromisso de transformação, nem este
sem ação.
Se, pelo contrário, se enfatiza ou exclusiviza a
ação, com o sacrifício da reflexão, a palavra se converte em ativismo. Este,
que é ação pela ação, ao minimizar a reflexão, nega também a práxis verdadeira
e impossibilita o diálogo.
Qualquer destas dicotomias, ao gerar-se em formas
inautênticas de existir, gera formas inautênticas de pensar, que reforçam a
matriz em que se constituem.
A existência, porque humana, não pode ser muda,
silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras
verdadeiras, com que os homens transformam o mundo. Existir, humanamente, é pronunciar
o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta
problematizado aos sujeitos pronunciantes,
a exigir deles novo pronunciar.
Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no
trabalho, na ação-reflexão.
Mas, se dizer a palavra verdadeira, que é
trabalho, que é práxis, é transformar o mundo, dizer a palavra não é privilégio
de alguns homens, mas direito de todos os homens. Precisamente por isto,
ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os
outros, num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra aos demais.
O diálogo é este encontro dos homens,
mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto,
na relação eu-tu.
Esta é a razão por que não é possível o diálogo
entre os que querem a pronúncia do mundo e os que não a querem; entre os
que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados
deste direito. É preciso primeiro que, os que assim se encontram negados no
direito primordial de dizer a palavra, reconquistem esse direito, proibindo que
este assalto desumanizante continue.
Se é dizendo a palavra com que, “pronunciando”
o mundo, os homens o transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual
os homens ganham significação enquanto homens.
Por isto, o diálogo é uma exigência existencial.
E, se ele é o encontro em que se solidariza o refletir e o agir de seus
sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode
reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco
tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes.
Não é também discussão guerreira, polêmica, entre
sujeitos que não aspiram a comprometer-se com a pronúncia do mundo, nem
com buscar a verdade, mas com impor a sua.
Porque é encontro de homens que pronunciam o
mundo, não deve ser doação do pronunciar de uns a outros. É um ato de
criação. Daí que não possa ser manhoso instrumento de que lance mão um sujeito
para a conquista do outro. A conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos
sujeitos dialógicos, não a de um pelo outro. Conquista do mundo para a
libertação dos homens.
Paulo Freire. Pedagogia da
esperança (p. 118-19. 12ª Ed.)
O
diálogo entre professoras ou professores e alunos ou alunas não os torna
iguais, mas marca a posição democrática entre eles ou elas. Os professores não
são iguais aos alunos por n razões
entre elas porque a diferença entre
eles os faz ser com estão sendo. Se fossem iguais, um se converteria no outro.
O diálogo tem significação precisamente porque os sujeitos dialógicos não
apenas conservam sua identidade, mas a defendem e assim crescem um com o outro.
O diálogo, por isso mesmo, não nivela,
não reduz um ao outro. Nem é favor que se faz ao outro. Nem é tática manhosa,
envolvente, que um usa para confundir o outro. Implica, ao contrário, um
respeito fundamental dos sujeitos nele engajados, que o autoritarismo rompe ou
não permite que se constitua. Assim também a licenciosidade, de forma
diferente, mas igualmente prejudicial.
Não
há diálogo no espontaneísmo como no todo-poderosismo do professor ou da
professora. A relação dialógica, porém, não anula, como às vezes se pensa, a
possibilidade do ato de ensinar. Pelo contrário, ela funda este ato, que se
completa e se sela no outro, o de aprender, e ambos só se tornam verdadeiramente possíveis quando o pensamento
crítico, inquieto, do educador ou da educadora não freia a capacidade de
criticamente também pensar ou começar a pensar do educando. Pelo contrário,
quando o pensamento crítico do educador ou da educadora se entrega à
curiosidade do educando. Se o pensamento do educador ou da educadora anula,
esmaga, dificulta o desenvolvimento do pensamento dos educandos, então o pensar
do educador, autoritário, tende a gerar nos educandos sobre quem incide, um
pensar tímido, inautêntico ou, às vezes, puramente rebelde.
O
diálogo, na verdade, não pode ser responsabilizado pelo uso distorcido que dele
se faça. Por pura imitação ou por sua caricatura. O diálogo não pode
converter-se num ‘bate-papo’ desobrigado que marche ao gosto do acaso entre
professor ou professora e educandos.
O
diálogo pedagógico implica tanto o conteúdo ou objeto cognoscível em torno de
que gira quanto a exposição sobre ele feita pelo educador ou educadora para os
educandos.
Palavra --------------------------- = Práxis
(reflexão)
(da ação) = palavreria,
vebalismo, blablablá
Sacrifício
----------------------------------------------------------
(de reflexão) = ativismo.
Algumas destas reflexões nos foram motivadas em
nossos diálogos com o prof. Ernani Maria Fiori.
Não nos referimos, obviamente, ao silêncio das
meditações profundas em que os homens, numa forma só aparente de sair do mundo,
dele “afastando-se" para “admirá-lo” em sua globalidade, com ele, por
isto, continuam. Daí que estas formas de recolhimento só sejam verdadeiras
quando os homens nela se encontrem "molhados” de realidade e não quando,
significando um desprezo ao mundo, sejam maneiras de fugir dele, numa espécie
de “esquizofrenia histórica”.